quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O Silencio que Sucede a Oração

 
    Era a quarta vez que eu olhava para o relógio na parede do quarto, não havia um motivo, talvez, inconscientemente estivesse esperando que a solução tivesse marcado um horário para surgir.
   Meus olhos baixam para a cama ao meu lado onde Ana está deitada, pálida como neve, com olhos fechados, suando muito, estava magra, como se tivessem sugado sua vida, e de fato, estava sendo sugada... Olhei para a escrivaninha à esquerda, havia um porta-retrato com uma foto de nós dois ainda recém casados, bom, de certa forma ainda somos, faz apenas um ano e dois meses desde a cerimonia. Mas o que me intriga é a sua imagem... A jovem loira com mechas avermelhadas, com seus olhos verdes cheios de vida, mostrando a língua para a foto, em nada parece com a pessoa que está morrendo na cama. Mais um olhar no relógio. Talvez eu só esteja tentando negar a situação. Não, não ha um talvez, é exatamente isso. Porque isso tinha que acontecer? Porque com ela? Porque comigo?
   Ao ado do porta-retrato ha uma caneta rosa, a cinco anos atras ela estava na orelha de Ana... Estávamos em um retiro de jovens da igreja, todos estavam se banhando no mar, mas ela estava sentada na areia, com a caneta rosa na orelha, lendo um livro. Da água, eu a observei, e fiquei intrigado com sua postura indiferente à baderna que os outros faziam. Eu me aproximei para falar com ela... "Cof!", ela está tossindo de novo, está morrendo. Olho novamente para o relógio, 20:40, notei que só agora olhei o horário.
   Vejo ela entrando na igreja no nosso casamento, está chorando, mas com um sorriso radiante, Olhando em meus olhos, vindo em minha direção... "Cof!", não, ela está na cama. Notei agora que ha uma Bíblia ao seu lado. Ana sempre foi uma cristã mais firme que eu... Continuo olhando a Bíblia, lembro de algumas pregações na igreja, lembro da passagem de Hebreus falando sobre a fé, lembro do medico dizendo que não havia mais nada a ser feito... Porque com ela?...20:43... Penso em Jesus, ele curou tantas pessoas aqui na terra, e ele está vivo não é? Disse que se pedíssemos com fé, em seu nome, receberíamos.
   Olho para o teto em um gesto impensado, olho para Ana, na cama... 20:44, a solução não havia marcado hora. Ajoelhei-me no piso duro do quarto, e lembro do dia em que nos mudamos pra cá... Posso ouvir nossos risos... Ponho a cabeça no chão, está frio. Ainda de olhos abertos, ouço e minha mente a voz de Ana cantando uma das poucas músicas que fez, essa era a que mais gostava, fala do silencio que precede a oração, "o momento em que nos preparamos para falar com o Soberano", dizia ela...Eu estava em silencio, e faria uma oração, não sabia como começar:
- Deus...
   Parei,  fiquei alguns segundos em silencio, ainda de olhos abertos, disse:
- Deus, eu sei que o Senhor está ouvindo, sei que está vendo...( eu não consigo continuar, as lagrimas escorrem em meu rosto)... Por favor, salve a Ana, Senhor. Eu sei que pode fazer isso!
   Choro descontroladamente, pedindo para que ela fosse curada. Com o tempo, as lagrimas cessam, eu me acalmo mas fico ajoelhado por alguns segundos, é o silencio que sucede a oração, não havia canções sobre isso.
   Olho o relógio, 22:02... Me preparo para levantar, noto que Ana não está mais gemendo, nem tossindo, uma pequena chama de esperança arde em mim. Levanto e a contemplo, está com seus olhos verdes em minha direção, sorrio para ela e me aproximo. Percebo então que seus olhos estão imoveis, que ela continua pálida, mas dessa vez, literalmente sem vida.
   Ao fim do velório o pastor se aproximou de mim:
- Sei que está sofrendo, mas não se ire contra o Senhor.
   Olhei para ele espantado com o que acabara de ouvir e lhe disse:
- Me irar?! Porque?! Deus me deu o privilegio de conhece-la, de ter a Ana como esposa, de ama-la e ser amado por ela... Porque ficaria irado? Meu arrependimento é não ter lhe agradecido antes.

Por Marvim Mota